João Lourenço, Presidente angolano, por sinal não nominalmente eleito, e também Presidente do MPLA e Titular do Poder Executivo, apelou no dia 29 de Outubro de 2020 aos jovens a “não se deixarem manipular” por aqueles que não têm condição de resolver os seus problemas em educação, saúde, habitação e emprego. Olhando para as fotos que publicamos e considerando que o MPLA “só” está no Poder há 45 anos, percebe-se tudo.
João Lourenço discursava, na qualidade de líder do MPLA, partido no poder há 45 anos, na abertura da IV sessão ordinária do Comité Central, que analisou (ou seja, esteve de acordo com tudo o que o Presidente disse) além de questões internas, a situação dos transportes e vias de comunicação, bem como do Plano Integrado dos Municípios, qualquer um deles geradores de emprego.
A observação feita pelo líder do partido que governa o país desde a independência surgiu após várias manifestações realizadas nos últimos tempos em Angola, nas quais os jovens têm cobrado a promessa eleitoral da criação de 500 mil postos de trabalho e a degradação social e económica da população, sendo que ter 20 milhões de pobres é o melhor e mais paradigmático da capacidade governativa do MPLA.
O Presidente reiterou o direito à manifestação, mas considerou que a UNITA, maior partido da oposição que o MPLA ainda permite (e que, como diz o Bureau Político do MPLA, é dirigido por um “estrangeiro”), deve assumir “todas as consequências dos seus actos de irresponsabilidade” no possível aumento de casos de Covid-19. E, acrescentamos nós, deve ser igualmente responsabilizada por estar ajudar os angolanos a pensar pela própria cabeça, por dizer que devem recusar ser amputados da coluna vertebral e transferir o cérebro para os intestinos, A UNITA é também responsável por dizer (ao contrário das ordens do MPLA) que ninguém consegue viver sem comer.
Segundo o líder do MPLA, os cidadãos angolanos (sobretudo os de primeira, ou seja, os que sejam a favor do MPLA) têm o direito de reunião e de manifestação, contudo, nesta altura de pandemia, “o seu pleno usufruto fica temporariamente condicionado”, através do Decreto Presidencial do estado de calamidade pública, para evitar a “grave ameaça” de propagação e contaminação de Covid-19.
“Reiteramos o direito à manifestação, algo que é uma realidade no nosso país, onde já tiveram lugar manifestações pacíficas, de protesto ou de reivindicação de direitos, mas não posso deixar aqui de manifestar a nossa indignação com os mais recentes e tristes acontecimentos em Luanda”, referiu João Lourenço, fazendo suas (recorde-se) as teses do seu mentor e mestre, José Eduardo dos Santos e, certamente, perspectivando o que viria a acontecer em Cafunfo.
Para o chefe de Estado angolano, o envolvimento directo da UNITA e dos seus deputados à Assembleia Nacional em manifestações, devidamente identificados, “é reprovável e deve merecer o mais veemente repúdio da sociedade angolana, que não pode permitir que partidos políticos, com assento parlamentar, incitem os jovens e a população para a desobediência civil”.
“A UNITA deve assumir todas as consequências dos seus actos de irresponsabilidade, que podem contribuir para o aumento acentuado de novos casos de contaminação por Covid-19”, disse João Lourenço, acenando de forma implícita com risco de ilegalização ou, até, de prisão dos seus dirigentes. Depois de Cafunfo não é despiciendo pensar-se em Maio de 1977.
Esse comportamento da UNITA, prosseguiu João Lourenço, pode comprometer e deitar por terra todo o esforço que a nação (segundo a definição do MPLA) vem fazendo, desde Março de2020, no combate à pandemia. Relembre-se que foi a ausência desse esforço que levou, em 1977, o então Presidente e herói nacional do MPLA, Agostinho Neto, a massacrar todos os contestatários.
“Todo o investimento feito em hospitais de campanha, camas e ventiladores e materiais de biossegurança, laboratórios de biologia molecular, todo o sacrifício consentido todos os dias pelos profissionais de saúde, que arriscam as suas próprias vidas para salvarem outras vidas”, referiu.
O comportamento da UNITA, pode levar o país a ter de entrar novamente em estado de emergência, sublinhou, acrescentando: “[Algo] que todos gostaríamos de evitar, pelas consequências graves na vida familiar, social e profissional das pessoas e na economia do país”.
Provavelmente, se os angolanos continuarem a contestar a ditadura do MPLA, em vez do estado de emergência corre-se o risco de o Presidente decretar o estado de guerra (uma das suas especialidades), engavetar a Constituição (que é, aliás, o sítio onde está há muito tempo), não perder tempo com julgamentos e decretar o confinamento (nas prisões ou nos cemitérios) de todos os que ousem pensar de forma diferente.
O chefe de Estado angolano advertiu que “a estratégia de tornar o país ingovernável, para forçar negociações bilaterais, no actual contexto político, em que as instituições democraticamente instituídas funcionam em pleno, não é concretizável”. Por outras palavras, João Lourenço acena com um novo 27 de Maio de 1977 ou, em alternativa, com os massacres de 1992 em que tentou acabar com a UNITA. E, no contexto da pandemia de Covid (ou de qualquer outra) é certo que o Governo não irá – como em 1977 ensinou Agostinho Neto – perder tempo com julgamentos, mesmo que apenas decorativos (como agora acontece).
“Perante a probabilidade de réplica do que se passou em Luanda pelo país fora, as autoridades competentes vão continuar atentas e cumprir com o seu papel de manutenção da ordem pública e fazer cumprir as medidas tomadas no quadro de calamidade pública”, disse o general João Lourenço, convicto de que a Polícia e as Forças Armadas subscrevem a tese de que o MPLA é Angola e Angola é do MPLA. E cumpriram.
Na sequência dos acontecimentos de Outubro do ano passado, um grupo de 103 manifestantes foi detido e os bandidos julgados no Tribunal Provincial de Luanda, onde foram registados novos actos, considerados pelas autoridades, de arruaça, que causaram danos a privados e património público. E, é claro, até prova em contrário todos (os que não são MPLA) são… culpados.
Fotos de Ivo Santos